terça-feira, 3 de novembro de 2009

223 km

Aquele dia de Junho de 2009 foi sem dúvida fantástico para o parapente em Portugal e em especial para mim porque estava presente.
As condições meteorológicas previstas faziam adivinhar grandes voos. Como é costume nestes dias fico bastante agitado e uma ansiedade tremenda invade o meu corpo parecendo adivinhar o dia que aí vem.
A pressão tornou-se ainda maior porque quando cheguei com o Ciby e o Miguel à descolagem, já o Vítor, o Alex e o Pedro Lacerda tinham partido em direcção a Covilhã.
O dia estava realmente fabuloso e mal descolámos já estavamos a 3400 metros de altitude, isto em menos de 15 minutos. Eu e o Ciby cometemos aí o primeiro erro, saímos da serra para tentar atalhar caminho e assim podermos apanhar os craques da frente, mas não só não os apanhámos como também fomos direitinhos para o chão, chão esse que só o Ciby tocou porque por milagre eu apanhei uns bafos e lá me safei.
Agora, como na maioria dos meus voos de distância, lá estava eu outra vez sozinho. Quando voamos sós e dependemos apenas de nós mesmos para sobreviver, os níveis de concentração aumentam e os nossos sentidos tornam-se muito mais apurados e sensíveis.
Tudo isto passa para a nossa pilotagem tornando-se mais activa, evitando assim possíveis erros. Logo, se voamos com mais segurança, voamos mais e melhor.
Os primeiros 50 km foram os mais difíceis, andava-se menos e estive algumas vezes baixo, mas depois de entrar em Espanha ficou uma delícia, tecto alto e a térmica era do melhor. O vento aumentou um pouco de intensidade a partir do meio do voo.
Nesta altura já não sabia onde estava nem o nome das localidades.
Andava perdido fisicamente, mas estava bem concentrado na melhor rota a seguir e além disso sabia que o Victor, o Alex e o Pedro andavam algures por aí.
O Miguel, que é o homem das recolhas, já andava por perto, como sempre, o que me dava um certo alento para continuar. O tempo passava sem dar por isso, é sempre assim quando faço cross, e este voo em nada foi diferente dos outros, apenas o número de km foi um pouco maior. Tive direito a tudo o que de bom estes voos nos dão, os Abutres, desta vez em menor quantidade, lá estavam eles a marcar as térmicas, e é impressionante a maneira insignificante com que olham para nós; os caças também estiveram presentes na zona de Penamacor, e estes merecem um pouco mais de atenção e respeito.
É incrível a quantidade de sentimentos e tantas vezes opostos, que um voo de distância nos provoca, a tristeza e frustração quando tudo parece estar acabado mas de repente a nossa asa leva um abanão e aí a tristeza é substituída pela esperança, lá está ela, uma térmica potente daquelas em que temos a certeza que vamos para a nuvem. Aí a adrenalina toma conta de nós e como que por instinto apenas uma coisa importa, o núcleo.
Mas também é verdade que em determinados momentos do voo o medo e a insegurança me fazem questionar qual a necessidade de pôr a vida em risco, e é nesta altura que devemos ter a coragem suficiente para não desistir, pois só assim é possível evoluir no voo livre, mas naturalmente que devemos conhecer as nossas limitações e é preciso saber parar quando as condições ultrapassam as nossas aptidões e conhecimentos.
Mas voltando ao voo, no final do dia a restituição funcionou lindamente e com a velocidade a aumentar os km foram passando (pelo menos na minha cabeça porque na verdade eu não sabia quantos já tinham passado, sabia que eram muitos mas nunca imaginei ter ultrapassado os 200). Foi uma sensação fantástica poder ver o pôr-do-sol a 3800 metros de altitude, foi lindo!
É também importante referir que o voo durou quase sete horas, nas quais não utilizei acelerador (porque não tenho), não bebi nem comi e no final fiquei com a sensação de querer continuar. Sem dúvida que a força psicológica supera em muito a força física.
Falta dizer que a asa que me tem dado tantas alegrias é uma Advance Epsilon 5. É verdade, é uma 1/2, e é esta asa que me dá segurança e tranquilidade suficiente para poder desfrutar o voo ao máximo. Aconselho a todos os que, como eu, ainda têm pouca experiência e querem evoluir gradualmente no voo livre. Devem começar nesta categoria de asas, e voar o maior número de horas, se possível em montanha. Depois sim, podem comprar uma avioneta, e mais tarde um avião.

Parabéns ao Victor, ao Alex e ao Pedro Lacerda que também fizeram uns voos que vão ficar na memória.
Obrigado ao Miguel pela força que nos transmite, e nos encoraja a ir cada vez mais longe.
Parabéns também à ADVANCE que desenvolve asas com uma qualidade acima da média e nos permitem uma evolução segura.
Foi um dia incrível, pena mais pilotos não terem aproveitado.


Carlos Barbas

No site da Advance:
http://www.advance.ch/Newsdetail.578.0.html?&no_cache=1&L=1&tx_ttnews[tt_news]=925&tx_ttnews[backPid]=4

18 comentários:

  1. há poucos anos levei-te no teu primeiro voo sentadinho à minha frente com cara de maravilhado:) e agora com relatos como este quem fica maravilhado sou eu! por ti e por te ver voar cada vez melhor. bem vindo ao clube dos agarrados aos trapos ;) abração

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  2. GANDA MANECAS.
    Por vezes a ganância é tramada e em voo é uma coisinha que mexe muito. Já me lixei 2 vezes e em dias de + de 200.
    Talvez assim consiga aprender...
    É de estarmos habituados ao cross solitário e quando apanhamos 'boleia', nem sei explicar, fico diferente.
    Vamos a ver o que nos espera para o ano.
    Cross, cross, cross e cross.
    Venham muitos.
    Abração p ti ó CHORÃO (mesmo assim continuas sempre a chorar eheheheh)

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  3. Para grandes voos grandes relatos, parabéns evenham os 300

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  4. Parabens pelo voo e pelo relato, venham mais dos dois...

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  5. grande Barbas! isso é eficácia total em voo! o voo solitário é realmente um desafio, vejam lá se por aí na Serra começam a ir em esquadrilha, então aí ninguém vos pára ;)

    grande abraço


    NVirgílio

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  6. Pois é Manecas,desde que comecei a voar vi te sempre a superares os teus records e limites!Es um exemplo de evolução segura,e que não é preciso grandes asas para fazer grandes voos,e sim tomar as decisões certas em voo!Este teu relato é inspirador!

    Um abraço!!!

    João Pinto

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  7. ...ser livre...é tão bonito...
    e com a cabeça no sitio certo... é lindo !


    abraço
    flai seife sempre

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  8. Que relato mai lindo! Cheguei a ficar emocionado...
    Fora de brincadeiras, bom relato e continua com as choradeiras que são sinónimo de grandes voaças! E a ver se para a próxima grande voaça que fizeres, eu estou por perto para te seguir...

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  9. Sozinho, sem água, sem acelerador e sob o olhar de desprezo dos abutres!...

    Bem, sozinhos, é o nosso normal.

    Agora, sem água e acelerador e, ainda por cima, sob o olhar gélido da bicharada... não sei como é possível!

    Parabéns pelo relato!
    Queremos mais.
    AA

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  10. Carlos,

    Obrigado pelo relato que nos dá alento para os nossos voos. Para o ano a meta está nos 300 kilos.
    Mas entretanto podes marcar um jantar aqui em casa com a malta quando quiseres.

    Gil
    Ps. Vamos lá ver se para o ano há mais gente a fazer os 200 kilos

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  11. Parabéns Carlos,
    És uma inspiração para todos nós:)
    E em 2010 queremos mais do mesmo!!!

    Saiote

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  12. Grande voo,
    tenho a sorte de ter voado nesse dia, e fica na memoria como um dos melhores dias de voo da minha vida, nuvem maravilha- sem desenvolvimento e termica potente
    O Carlos já mencionou mas eu nao me canso de repetir, Tudo isto graças ao Victor e ao GRANDE MIGUEL - O Presidente
    No q me toca obrigado a todos
    p.s. nesse dia tb tinha-mos o Gonçalo Velez a voar
    Alex

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  13. ...e com um relato destes, nos deixaste a sonhar!!!
    Grd abraço.

    Celso

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  14. granda Carlos parabens !!!!
    grande relato de um voo fabuloso......
    espero que para o ano faças mais ainda !!!!
    e espero tambem tentar seguir-te um pouco...
    um abraço

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  15. Absolutamente maravilhosos, o voo, o relato e uma modéstia comum aos grandes nomes da História!

    O abraço de sempre!

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  16. Grande Carlos Barbas!
    Excelente partilha!
    É sempre um prazer voar contigo, mas já foram também várias as vezes em que abdicámos ( em grande estilo ) de voar, está mais que provado vale a pena escolher bem os dias, espero ter a oportunidade de fazer um voaço parecido ao que relataste na tua companhia.

    Parabéns
    Paulo Nunes

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  17. Boa tarde!
    Fazer parapente deve ser uma sensação inesquecível.Pena ter um pouco fobia das alturas...
    Venho convidá-lo a participar na Blogagem de Novembro do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com
    O tema é: O meu Magusto
    Para participar,basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt

    Cumprimentos
    Lena

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  18. Parabéns Carlos, pelo Voaço e pelo relato... espero que faças muitos mais assim e/ou melhores na minha companhia ;)

    Abraços

    Orlando Luis Neves

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